sábado, março 01, 2008

A CASA DO ESPÍRITO


"O corpo é o teu animal, o cavalo que montas. Deves, porém, ser sempre tu quem o domine, e não ele que domine a ti."

O tema acima provoca-nos o pensamento, mas nos prende só ao seu conteúdo. Abre-nos o espaço silencioso e so- litário de nosso Eu e, pela meditação, conduz-nos às re- giões internas, onde o exer- cício da consciência permite-nos pressentir a Verdade de nós mesmos. É como se eu estivesse ouvindo de outra maneira e, com outras pala- vras, o mesmo bom conselho do Mestre ao Sexto Patriarca Zen, Hui Neng: "sem conhecer a própria natureza todo e qualquer estudo será inútil".

E, para que o estudo me seja cada vez mais útil, deixo-me levar primeiro, pelo que a metáfora inicial me sugere. (A linguagem metafórica é sempre mítica e mística, porque é capaz de revelar e esconder, sugerir e pro-vocar (chamar-nos, jogar-nos à frente de nós mesmos.) E é isso que nos acontece agora.

O corpo, inicialmente, é visto como animal. Remete-nos à matéria densa de que somos formados, a nossas necessidades físicas, como as de qualquer outro corpo, matéria criada por Deus, organização a instaurar-se pelos elementos básicos: terra, fogo, ar e água, num mundo mineral, vegetal, animal, hominal, cósmico. Somos corpo. Somos animal e, nessa fase, somos extremamente densos.

Num segundo momento, a frase específica "o corpo é o cavalo". Sugere uma força, um movimento, uma dinamicidade inegável. Não consigo visualizar um cavalo inerte, embora saiba que ele fica inativo, como qualquer outro animal. Sua imagem vem sempre ligada ao transporte de cargas e de homens, ao desafio da vitória, quando se transforma em objeto de esporte e esportistas. Seu movimento livre, ao perder-se pelos campos, em suas maravilhosas corridas, imponente, cabelos ao vento, evitando ser aprisionado pelos homens, que o chamam de selvagem, indomável. Grande lição nos dá o cavalo! [...]

Corpo-cavalo. Nosso eu humano, impetuoso, selvagem. Exerce uma liberdade bem própria a sua natureza animal, ditada por uma "alma" coletiva, a da espécie, caracterizada pelo movimento aparente- mente livre, pois condicionado aos instintos, prende-nos ao que todos fazem, e o fazem pelo chamado da Matéria. Corre por terrenos inóspitos, pedregosos, difíceis, mas que lhe parecem os mais fáceis. Bebe nas fontes do desejo e dos impulsos naturais à matéria em desenvolvimento, ao curso único da vida animal. Não tem as asas de Pégaso, o cavalo alado da lenda que realiza altos vôos e que mata a sua sede nas fontes da Água Essencial.

Embora assim definido, este corpo, seja pelo seu nível físico, mental ou emocional, não me parece um mal. É bom enquanto criação de Deus, é um suporte maravilhoso que Ele nos concede como graça maior - a da Vida. Por ele, nele e com ele, nosso Espírito caminha pela Senda, até que o EU cumpra a sua missão. Não podemos e não devemos recusá-lo, considerando-o, somente, um gerador de dores e culpas; não podemos renegá-lo, como o fazem algumas linhas de pensamento filosófico ou práticas religiosas. A priori, o corpo não é nosso inimigo. É dom do Pai para a nossa caminhada evolutiva. Enquanto peregrinar pela Terra, ele é a casa provisória do Espírito, que tem Outras Moradas e, só se transformará em obstáculo ao caminhante, se nós o permitirmos. [...]

Colaboração da irmã Tamala de Brahma em Sessão de Instrução realizada em 30 de junho de 2007.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, Tamalla de Brahma!
Permita-me expressar minha opinião....acho que para tornarmos uma existência digna do Universo, devemos usar toda a nossa expressão(o corpo) da forma mais pura e Divina possível....devemos ser livres!
Segue abaixo este sentimento expresso pelo grande Mestre Fernando Pessoa:

XLVIII

Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvores, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.

Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)

shiko disse...

Depois de Fernando Pessoa, não há o que ser dito, mas sentido na profundeza da alma e no recôndito do espírito - oficina onde ambos, espírito e alma, se fundem sendo enfim, Deus!