quarta-feira, setembro 10, 2014

A religiosidade dos nossos dias

Não é incomum na atualidade a confusão que se faz com os conceitos de religião e religiosidade. A palavra religião pode até atrapalhar, se não for entendida da forma correta e sempre fizer correlação com dogmas e doutrinas. Talvez certa falta de clareza contribua para tanta animosidade e dissidência no meio esotérico e religioso. Embora vários místicos e religiosos do passado tenham nos legado diferentes enunciados para essa questão, defendemos que a religião sugere um modo formal de reconexão do homem com a sua espiritualidade original; a religiosidade é tão somente um estado natural em que, sem formalidade, o homem percebe diretamente essa espiritualidade na própria vida e na sua relação com as pessoas. Religiosidade não é abstração, é fato. Por essa razão, precisamos investigar a questão com base nas nossas ideias de alteridade, ética e interioridade. O outro importa para que haja essa percepção do divino. Comportamento justo, também. E tudo culmina com a nossa preciosa experiência da chamada vida interna, pois que nessa dimensão começam a se esgotar as nossas heranças de dogmatismo, fanatismo e separatismo. É a vida interna que nos mostra com autêntico rigor e simplicidade a nossa unidade uns com os outros.

Assim, quem busca a religiosidade é crítico consigo próprio nas suas ações, palavras e pensamentos. Não o é necessariamente quem busca a religião apenas por seus aspectos formais – sociais, teológicos, comerciais. Arriscamo-nos a dizer que a religiosidade é irmã gêmea da iluminação proclamada pelo budismo. É para essa religiosidade que temos de despertar, resgatando o valor da força e da simplicidade dos pequenos gestos de amizade, gentileza e solidariedade no cotidiano. Todo cuidado com o outro é necessário para que a nossa personalidade ceda espaço à nossa Alma e haja uma saudável compreensão do nosso papel no mundo. Nossa meta deve ser combinar esse cuidado com regularidade e vigilância, aprofundando assim a nossa experiência interior. A religiosidade exige de nós proximidade, bondade e tolerância com o outro em todas as circunstâncias. Só quando ultrapassamos crenças, juízos e preferências é que aceitamos espontaneamente o outro e começamos a trilhar o caminho da interioridade, a valorizar a auto-observação, a discrição e a prudência. É nesse âmbito que podemos sentir a potência dessa religiosidade e eliminamos as nossas distorções de entendimento em relação ao outro. É como se houvesse um pico criativo da nossa vida interior e as coisas ao nosso redor se movimentassem com mais harmonia e simplicidade.

Em seu artigo intitulado Ensinamentos: Religião no Mundo de Hoje, Sua Santidade O Dalai Lama adverte que ″quando permanecemos isolados uns dos outros, às vezes ficamos com imagens distorcidas das tradições ou crenças diferentes daquelas que defendemos″. É assim que se instauram as diversas animosidades e cismas, prevalecendo cada vez mais um sentido de eu, e disso não nos apercebemos. Não existe a boa vontade, a compreensão, a escuta fraterna na direção do outro. Pelo contrário, esmagamos o outro com a nossa opinião, com a nossa irredutibilidade – a nossa fé de superfície! Como escapar dessa violência, senão pela experiência interna da religiosidade?


Segundo o autor e professor espiritual Adyashanti, em seu livro Emptiness Dancing, é preciso permitir-se desarmar o eu - uma experiência indizível e incomunicável, um mergulho em si sem os apelos e as estratégias do eu pessoal. Para nós isso significa que devemos analisar com rigor os nossos desejos, a nossa indignação com os fatos e as situações da vida, a nossa tendência de acreditar que tudo é para sempre, seja bom ou ruim. ″É preciso descobrir que aquilo que se é antecede a ideia de eu″, afirma Adyashanti. Somos as sementes da nossa própria descoberta e libertação. Pode ser que essa descoberta seja o início da tão sonhada fraternidade universal, o começo da nossa religiosidade e da percepção da unidade que somos essencialmente.

Sumo Sacerdote Kabir da Pérsia