A leitura de um bom livro nos enriquece. Especialmente quando lemos sem pressa. É válido parar para pensar, e principalmente para interromper o pensamento. É importante, de tempos em tempos, suspender a leitura entre uma frase e outra e meditar deixando o olhar perdido em um ponto qualquer do espaço. É por isso que Jorge Luis Borges confessou:
"Creio que uma forma de felicidade é a leitura; outra forma de felicidade menor é a criação poética, ou o que chamamos de criação, que é uma mistura de esquecimento e de lembrança do que lemos antes. Emerson coincide com Montaigne no fato de que devemos ler unicamente o que nos agrada, que um livro tem que ser uma forma de felicidade."
A mera presença de um bom livro em nossa casa pode irradiar uma misteriosa influência benigna. Já velho e cego, Borges contou o seguinte durante uma das suas palestras:
"Eu continuo brincando de não ser cego, continuo comprando livros, continuo enchendo minha casa de livros. Outro dia me deram de presente uma edição de 1966 da Enciclopédia de Brokhause. Eu senti a presença desse livro em minha casa, eu a senti como uma espécie de felicidade. Ali estavam os vinte e tantos volumes com uma letra gótica que não posso ler, com os mapas e gravuras que não posso ver; e, no entanto, o livro estava ali. Eu sentia como uma gravitação amistosa do livro. Penso que o livro é uma das formas possíveis de felicidade que os homens possuem." [6]
Escrever é um jeito misterioso de falar em silêncio. Por outro lado, ler é uma maneira sutil de ouvir o que não tem som. Quando alguém não consegue ler um texto com atenção plena, a razão disso é a sua incapacidade de ouvir em um nível mais profundo.
Para fugir do "barulho" das suas emoções ansiosas, o cidadão moderno costuma apelar para o rádio, a televisão, a conversa fiada ou a música ruidosa. Só quando confronta o vazio e a solidão ele tem acesso ao acompanhamento mágico e completo que surge durante a leitura atenta de um bom texto.
Então não importa se você está em pé em um ônibus lotado ou sentado sob uma árvore; se dispõe de silêncio e sossego ou há ruídos a seu redor. Você aproveita cada momento para ler o texto que expande e liberta a sua consciência. Ler é um ato de desapego em relação ao mundo externo. É um ato de liberdade pessoal - e de compromisso com a verdade.
Notas:
(1) Borges, Oral, Jorge Luís Borges, Emecé Editores, Buenos Aires, 1979, 105 pp. Veja, respectivamente, as pp. 13 e 16.
(2) A Importância de Viver, de Lin Yutang, Editora Globo, 1963, tradução de Mário Quintana, 360 pp., ver pp. 302 a 305.
(3) Fundamentos da Filosofia Esotérica, Helena P. Blavatsky, Editora Teosófica, Brasília, 90 pp., ver pp. 83-85.
(4) Poesia Completa, Cecília Meireles, Ed. Nova Fronteira, RJ, dois volumes. Veja a obra "Cânticos', de 1927, no volume I, pp. 121-122, poema II.
(5) 365 Zen Daily Readings, de Jean Smith, HarperSanFrancisco, Califórnia, EUA, p. 145.
(6) Borges, Oral, obra citada, pp. 22 e 23.
Nenhum comentário:
Postar um comentário