segunda-feira, maio 30, 2011

A personalidade

Por Robin F. J. Keefew

Muitos aspirantes desejam ardorosamente contatar o Eu espiritual ou o Deus Interior, mas essa é uma das muitas orações que frequentemente, como diz Shakespeare, “Os Sábios Poderes nos negam para o nosso próprio bem”, uma vez que, se toda força do nível búdico de consciência, ou até mesmo uma porção substancial desse nível, fosse despejada dentro dos limites de uma personalidade despreparada, então essa personalidade – não apenas no seu corpo externo, mas também nos seus poderes internos ou psicológicos – certamente seria muito prejudicada, ou até mesmo de fato destruída.

Assim escreveu Edward Gall, esclarecendo que sentia ser essencial a preparação de nossas personalidades. [...] Combater a mente e as emoções tentando matá-las é pura tolice, às vezes verdadeira loucura. Talvez a mente pudesse ser considerada como uma criancinha, que deve ser vigiada, mas sem recriminações, quando suas ações são indesejadas.

TRASMUTANDO O DESEJO

É sinal de bom senso alguém mudar o foco de atenção; transmutar um desejo em outro é uma prática psicológica sadia; por exemplo, substituir o desejo de conforto por um ardente desejo de paz; substituir a ambição buscando a senda. Dizem que, se o homem quiser tornar-se santo, deve primeiramente tornar-se completo; se há alguma verdade nisso, então devemos admitir a tolice de se ignorar a personalidade, e a tolice de tratá-la com desdém. A personalidade (corpo, emoções e mente) precisa de treinamento, não de ser morta. Esses são os veículos mediante os quais funcionamos enquanto estamos encarnados; eles serão mais úteis para nós vivos do que mortos, treinados do que não-treinados, e desejosos melhor do que de má vontade. Dizem que somos oriundos do “céu acima e da terra embaixo”; se algum dia começarmos a reconhecer a realidade disso, deveremos aceitar totalmente o que é, sem qualquer negação desta ou daquela parte de nós mesmos. O que parece ser necessário é uma abordagem dupla: primeiramente, essa aceitação de nós mesmos. Nossos vários corpos com suas próprias necessidades conflitantes; em segundo lugar, uma reorientação, o desapego gradual de si mesmo de questões transitórias, que irão ocorrer naturalmente à medida que desenvolvermos interesse e devoção crescentes pelo Real. Para muitos de nós, a segunda parte, a mudança de foco, é relativamente fácil; muitíssimo mais difícil é a tarefa de se tornar perceptivo dos vários veículos que possuímos, fazendo amizade com eles e finalmente os aceitando. Parece um processo um tanto simples e óbvio e, no entanto, virtualmente para cada pessoa, é extremamente difícil. Aprendemos desde nossos primeiros momentos a aceitar que um ou mais de nossos veículos está “abaixo” de nós, talvez até mesmo que seja “sujo, impuro”, e assim podemos ser qualquer coisa menos pessoas inteiras e integradas; se ignoramos parte de nós mesmos, somos incompletos. De maneira bastante literal, a verdade está em nós; não é que sejamos deliberadamente enganosos, mais do que nos tenhamos treinado para ser insensíveis, desligados. Frequentemente, por exemplo, não reconhecemos o que estamos sentindo; alguém que nos assegura com grande convicção: “mas eu não estou me sentindo mal-humorado”, pode ser a última pessoa no local a reconhecer que está irritada.

TORNANDO-SE TOTAL

Uma das consequências de se suprimir ou engarrafar repetidamente a própria raiva é que a dormência se estabelece – “não estou sentindo absolutamente nada, nem amor, nem ódio, tudo está um pouco triste”. Essa descrição certamente combina com muito de nós a maior parte do tempo. Deixamos de viver plenamente, retrocedemos da plenitude da vida e, contudo, esperamos, miraculosamente, que nos tornemos totais.

Edward Gall fala em preparar a personalidade. Ao treinar qualquer animal, é necessário firmeza, mas, como em todas as esferas, Omnia Vincit Amor – o amor tudo conquista -, e assim nossa firmeza deve estar num contexto de amor; amor mais do que aversão (ou medo), firmeza associada à compaixão e compreensão. Pagamos o preço por ignorarmos isso, pois, se usamos a força sem o tempero do amor, o ressentimento lá estará. Podemos obter obediência, mas será uma obediência teimosa. E a qualquer momento em que nossa vontade diminuir, se cairmos doentes, ou quando ficarmos fracos devido à idade, poderemos muito bem descobrir aquele ressentimento expressando-se abertamente – nossos próprios corpos nos viram as costas!

Extraído da Revista TheoSophia, ed. outubro/novembro/dezembro de 2010, pp. 35-36.