segunda-feira, novembro 14, 2011

Doar

"Doais pouco quando doais vossas posses. Só quando doais a vós mesmos é que doais verdadeiramente. Pois o que são vossas posses além de coisas que mantendes e guardais por medo de precisá-las amanhã? E amanhã, o que trará o amanhã ao cão excessivamente prudente que enterra ossos na amplidão do deserto ao seguir os peregrinos para a cidade sagrada? E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade? Não é o medo da necessidade, quando vosso poço está cheio, a sede que é insaciável?

Há aqueles que dão pouco do muito que possuem - e eles doam em busca de reconhecimento e é o desejo secreto que torna suas dádivas corruptas. E há aqueles que têm pouco e doam tudo. Estes são os que acreditam na vida e na generosidade, e seus cofres nunca estão vazios. Há aqueles que doam com alegria, e esta alegria é a sua recompensa. E há aqueles que doam com dor, e a dor é o seu batismo. E há aqueles que doam e não sentem dor ao dar, nem buscam alegria, nem dão pensando em virtudes. Eles doam como no longínquo vale o mirto exala sua fragrância no espaço.

É através dessas mãos que Deus fala, e é por detrás de seus olhos que Deus sorri sobre a terra. Está certo doar quando se é solicitado, mas é melhor dar mesmo sem necessidade de pedir, através da compreensão. E para ser generoso, buscar por alguém que receberá é uma alegria maior do que doar.

Dizeis com freqüência: "Darei, mas apenas aos que merecem". As árvores do vosso pomar não dizem isso, nem os rebanhos em vossas pastagens. Eles dão para viver, pois guardar é perecer. É a vida que doa vida - enquanto que vós, que vos considerais doadores, sois apenas testemunhas. E vós, que recebeis - vós todos sois os que recebeis - não carregai nenhum peso da gratidão, exceto para sujeitar a vós mesmos e àquele que doa. Em vez disso, elevai-vos junto com o doador sobre suas dádivas como se sobre asas."

Publicado originalmente no Mensageiro Celeste nº 12, edição de maio de 2004 - adaptado do livro O Profeta, de Khalil Gibran.